19.8.06

Escolha!

"Viver é escolher!" Hoje vi esta frase, que poderia ser a afirmação de qualquer filósofo que quisesse causar espanto com uma nova visão ontológica sobre a condição humana e os rumos da existência. Mas não, era só um slogan comercial, tentando nos vender mais um produto ou serviço através da massificação da informação. Origem a parte, a reflexão dos fatos dados é mais instigante.
A vida realmente pode ser feita de escolhas? Sim... e não. Possivelmente estamos escolhendo a todo instante, mas isso não quer dizer que a caracterização da nossa existência são as escolhas que fazemos (isso até parece um pouco existencialista demais). Viver já é a falta de escolha. O nascimento e o crescimento trazem ao mundo um ser que não refletiu sobre sua origem e sua vontade de se inserir na realidade à qual foi lançado. A vida não é escolha, é uma imposição àqueles que a ela são integrados, sem serem questionados sobre suas vontades de dela participarem (até mesmo por que a resposta só poderia ser dada por seres que já existem!). A escolha nesse caso só pode ser feita depois que já se está vivo e consciente: escolher entre viver ou morrer (e voltamos ao existencialismo!). É isso que nos faz diferente dos outros animais, saber que temos a escolha de viver ou não. A vida e o viver já são imposições anteriores à escolha, o que caracteriza uma não-escolha, e a renúncia à vida é uma peculiaridade humana, a escolha que pode acabar com a arbitrariedade da natureza.
Deixando de lado o nascimento do ovo e da galinha, voltemos às escolhas. Chocolate ou menta, azul ou verde, claro ou escuro, leve ou pesado... Toda escolha é antes de mais nada uma negação daquilo que não foi escolhido. Se escolhemos o azul é em detrimento de todas as outras cores que pudéssemos imaginar. Negamos a todas as outras para afirmar a preferência ao azul. Ganha-se o que se escolhe. Se perde, através da negação, tudo o que não foi escolhido. Então, escolhas, mais do que afirmações, são negações. Mais do que ganhos são perdas. Escolha um e perca todos os outros!
Além disso, escolhas não são ações exatas. Aí sim elas se assemelham à vida. Se você quer o carro do seu vizinho, e isso é uma escolha, não significa que ele vai te dar ou vender o carro. Sua escolha não depende só de você (sujeito) e do objeto escolhido, mas de um outro agente regulador das relações entre pretendente e pretensões. Minha vó já dizia que se um não quer, dois não brigam. Então, a escolha já não é escolha, é negociação. Temos que convencer àqueles de quem queremos algo a nos dar o que almejamos.
Assim, as escolhas parecem idealizações que mediam o que se tem à disposição e o que realmente se quer. Se quisermos o que temos à disposição talvez realmente teremos feito uma escolha (mas como saber, se não conhecemos as outras possibilidades?). Acho que querer o que se tem à disposição é o que as pessoas chamam de felicidade... Agora, se quisermos o que não temos acesso, veremos um exemplo típico da vida, da realidade material e da dialética em ação. Movimentos distintos com objetivos distintos. Escolher a escolha do outro. É possível que consigamos o que queremos, mas não antes sem perder ou abrir mão de algo que nos é caro.
Acho que viver não é especificamente escolher. Talvez seja mais do que isso. E se escolha fosse mesmo a base da vida humana, ela só contrariaria sua própria essência, fundada na arbitrariedade da natureza. Só se vive em relação com outras vidas e subjetividades, o que já dá para nossas escolhas um caráter idealizado previamente das ações futuras, sem levar em consideração as mesmas idealizações das outras vidas em ação. Não adianta escolher bala de menta se se tem apenas chocolate ou morango. Assim, se morre agonizando. Se eu quiser escolher minha vó para presidente, não poderei, porque as escolhas do que posso escolher já foram feitas e não foram por mim. Mesmo assim vou vivendo, escolhendo, negociando, politicando, sofrendo, enganando a mim mesmo sobre minhas próprias escolhas.

17.8.06

Samaúma...

Beleza encrustada. A aparência da velhice e da podridão, do que já não mais carrega dentro de si nada ao que se possa chamar vida. Os veios abertos pelo tempo dão à aparência a magnitude da força. A resistência. Sua base firme e enraizada parece apontar para todas direções. Seus incontáveis galhos atestam sua vivência. Suas folhas nos enganam sobre seu futuro. A morte, o olhar vazio, o cinza e o marrom. Mas por dentro corre algo. E há de corrar ainda por muito tempo. É só lá, conhecendo suas entranhas, que é possível saber e, mais ainda, entender que há algo que a faz continuar de pé. A tristeza quase intransponível da externalidade nos engana mais uma vez sobre a vida que lá ainda corre... e no alto, em sua copa, teima em cantar o pássaro solitário.

11.8.06

The deepest purple...

Até que ponto se pode suportar a dor e o peso que cada palavra pode causar? E as coisas para as quais as palavras não expressam a dor? A intensidade e a imprevisibilidade trazem situações as quais nos desconcertam, que nos transformam, viram do avesso nossa cabeça, nossa personalidade. Mudam nossa condição física e mental. Fazem com que nós nos mudemos de onde sempre vivemos, onde nos criamos, onde nossa imaginação ganhou asas e vôou para um mundo que o tempo e as responsabilidades foram desconstruindo lentamente e que num momento desmoronaram por um golpe fulminante. Um baque tão forte que derruba o mais forte dos guerreiros. Mas nenhum destes sabe a força que realmente tem. Descobre suas forças em cada queda que leva. Desgasta sua vida, doando-a para outro a quem respeita, a quem quer bem. Mas isso não basta. Todo momento em que parece edificar seu castelo, o vê desmoronar outra vez. Sempre que remete suas lembranças ao local da infância se vê puxado pela realidade horrenda que o cerca. A materialidade se impõe a ele e toda tentativa de sonho se dissipa. A volta à terra dos doces sonhos infantis só será feita depois de sua morte. A batalha é interminável, o guerreiro incansável. Infelizmente as batalhas duram mais do que os guerreiros.